27 de abr. de 2013

- Uma Companhia Para Todo o Sempre -

Já faz dias que estou à beira do inferno. Eu tentei falar a mim mesma que tudo isso não passava de um medo obscuro meu, e que era coisa da minha cabeça, mas não adianta. Eu escuto seus passos pesados me perseguindo. Eu o escuto grunhir de fome...

Há alguns dias atrás, resolvi me livrar de algumas coisas do porão: Revistas, objetos quebrados que eu –não sei por que diabos- fazia questão de guardá-los. Em meio a essa bagunça, encontrei algumas páginas do que eu julguei ser um diário. Essas páginas tinham manchas de sangue, e a caligrafia, apesar de ser horrível, dava pra ler. Eu sempre tive o costume de ler em um tom de voz baixa, seja lá o que fosse. Então, comecei a ler. Não lembro muito bem o que estava escrito lá, mas era algo como: “Com o meu sangue derramado em tais páginas, eu o invoco, e eis de me obedecer, e lhe concederei minha alma”.

Aquele sangue não era meu. E agora, essa coisa está me perseguindo. Lembro que nessas páginas havia um modo de desfazer tal contrato. Mas, não posso sair de meu quarto. Ele irá me perseguir. Lembro que dá última vez que tentei sair do quarto, ele arranhou minhas costas com suas garras. Eu não queria ter visto ele, mas minha curiosidade foi maior. Ele era enorme. Tinha garras afiadas, e prezas grandes. Seu rosto era desfigurado e trazia um grande desconforto. Eu corri de volta ao meu quarto, e me tranquei lá. Ele ficou parado em frente a minha porta, mas incrivelmente ele não entrou. Apenas dava para ouvir sua respiração pesada. Foi então que eu percebi o que tinha impedido aquela criatura de entrar em meu quarto: O crucifixo em minha porta.

Eu peguei o crucifixo, e abri a porta lentamente. Percebi que a criatura se afastou, grunhindo, como se estivesse assustado. Eu não tinha a solução de expulsá-lo da minha casa, mas tinha a solução para mantê-lo longe de mim. Quando abri a porta por completo, fecheis os olhos e arqueei o braço mostrando o crucifixo para a criatura. Ele –ou ela, eu não sei, mas julgo ser ele- soltou um grito ensurdecedor, fazendo com que eu caísse de joelhos no chão, tampando os ouvidos. O crucifixo caiu perto de mim, deixando a criatura afastada ainda. Ele não parava de gritar, então peguei o crucifixo, me levantei, e avancei pra cima dele, gritando também. Ele se encolheu como se fosse um cachorrinho. Falei para ele voltar de onde ele havia vindo, mas ele continuou imóvel em seu canto. Eu me aproximei mais, e ele correu para o porão.

Ele fazia barulhos estranhos, parecia ter muita fome. Eu não ia alimentar aquela coisa, não mesmo. Assim como ele, eu tinha fome. Afinal, passei dias trancada em meu quarto. Fui até a cozinha, e deixei o crucifixo em cima da mesa, fuçando no armário. Encontrei uma caixa de cereal, e sem delongas o virei em minha boca. Eu nunca senti tanta fome em minha vida. Mas, me descuidei também. A criatura –sabe-se lá como- percebeu que eu não tinha mais o crucifixo em mãos, e correu rapidamente para a cozinha. Eu derrubei a caixa de cereal no chão, e tentei correr até a mesa. Ele agarrou meu pé, fincando suas garras em minhas pernas. Fez questão de deslizar suas garras ali, rasgando minha pele sem dó ou piedade.

Talvez por conta do medo de morrer, encontrei forças para me agarrar ao pé da mesa, arrastando-a comigo, enquanto a criatura me arrastava. Eu sentia muita dor, sentia meu sangue esguichar por toda a cozinha, e ouvia o som da minha pele rasgando. Eu balancei a mesa, fazendo o crucifixo cair. O peguei, e me virei para a criatura, que me soltou e se encolheu num canto da cozinha. Eu rastejei para perto dele, o expulsando para mais longe. Ele correu novamente para o porão, e eu abracei o crucifixo.

Quando eu acordei estava num hospital. Um médico me perguntou como eu havia feito aqueles cortes em minhas pernas que quase comprometeram os movimentos das mesmas, mas eu não soube responder. Em minhas mãos, ainda havia o crucifixo. Fiquei aliviada por ter ele ainda por perto. Mas, ao me virar e olhar para a janela, lá estava ele. Não adiantava. Ele me seguia, mesmo tendo o crucifixo em mãos.

Depois de alguns dias no hospital me recuperando de meus cortes, voltei pra casa. Antes, tinha passado em uma loja, e comprei vários crucifixos. Em cada cômodo de minha casa, um crucifixo. E para prevenir, passei a usar um pendurado no pescoço. E quanto a criatura? Ele continua em meu porão. Não posso expulsá-lo, nem ao menos matá-lo (sim, eu tentei tal ato). O jeito foi aceitá-lo como uma companhia. Vez ou outra trago alguém em casa e peço a pessoa para ir até o porão. Ora, é o único jeito dele parar de gritar.


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